Já fazia algum tempo, Sofia vinha incomodada com a sua vida. Tudo parecia certo – estava cursando a faculdade que escolheu, tinha um namorado que parecia legal e uma família bacana – o que poderia estar errado? Além disso, fazia atividades físicas e trabalho voluntário que lhe davam muita satisfação. “Definitivamente” – ela pensava – “não deveria haver razões para questionar se estava feliz ou não”.
Mas por quê, então, essa pergunta não saía de sua cabeça?
Sofia tentava reagir. Começou a planejar um intercâmbio fora do país. “Talvez Portugal… talvez Espanha… não sei.”
Em um certo dia, Sofia decidiu dar ouvidos à pergunta que não queria calar. E percebeu, ainda não sabia bem as razões, que não se sentia feliz. Sendo sincera consigo, a resposta para a pergunta que vinha martelando em sua mente era “não”. Não foi fácil admitir isso. Mas Sofia sempre foi corajosa e não precisou muito esforço para encarar cada uma das áreas da sua vida e seguir questionando: será que estava tão feliz assim no curso escolhido? Será que realmente seu relacionamento estava satisfatório?
Mesmo Sofia sendo corajosa, não foi muito fácil levar adiante esses questionamentos. Mas era preciso. Sabe aquele ponto em que a pessoa não consegue mais se enganar? Pois então…Ela chegou nesse ponto e precisou reconhecer que seu relacionamento não estava legal há bastante tempo e que escolheu o seu curso “por inércia”: “Minha família foi sugerindo que eu fosse por esse caminho… eu era muito nova e acabei fazendo o que eles sugeriram… e agora, o que fazer?” – ela se perguntava.
-“Buscar soluções e fazer as mudanças necessárias. Terminar o namoro? Mudar de curso?” – Essas opções pareciam assustadoras mesmo para Sofia.
Ela sentia que o seu relacionamento realmente não estava bom. Mas quando estava com seu namorado, pensava: “Mas não é tão ruim assim…”Conversava com as amigas e com a família… algumas pessoas diziam que “é assim mesmo”, outras, como sua mãe, dizia que ela não precisava se acomodar e ficar em um relacionamento se não estava feliz. Sofia foi levando sua vida, pensando se poderia levar adiante as mudanças desejadas.
Um dia, viu no Facebook o anúncio para um evento intitulado “Tomada de decisões: competência para evoluir” no Distrito E. Sofia não pensou duas vezes: convidou sua amiga que também estava em crise no seu relacionamento, comprou os ingressos e esperou ansiosa por aquele momento.
Sofia chegou cedo, gostou do ambiente, se sentiu confortável. Apesar de sentir entusiasmo e motivação, também sentia medo – não sabia bem do quê. Seria de se dar por conta de que precisaria mudar mesmo? Sofia identificou que existia um conflito forte entre o querer estar ali e o desejo de poder manter tudo como estava.
Os palestrantes começaram a falar. Foi tudo muito rápido e objetivo: eles falaram que o ser humano, diante de qualquer situação nova ou decisão, tende a evitar a mudança ou o esforço, por questões de economia para a sobrevivência.
Eles ressaltaram que o maior inimigo da força de vontade e das decisões inteligentes é o conflito que se instala entre a parte racional do nosso cérebro (o córtex pré-frontal) e a parte instintiva (as amígdalas) diante de qualquer situação nova. Esse conflito pode acontecer desde a troca da marca preferida de um produto no supermercado até a mudança de cidade, dependendo das características pessoais.
Sofia ficou perplexa – parecia que eles tinham lido seus pensamentos. Pensou nas suas sensações conflitantes por estar ali: aquela mistura de excitação e medo. Isso parecia muito real e também comum – ela se deu por conta de que muitas vezes se sentia assim. Não exatamente para situações pequenas, mas essa sensação conflituosa era frequente em decisões mais importantes.
Os professores seguiram falando, e Sofia precisou se esforçar para parar de pensar nos inúmeros conflitos que vinha enfrentando e como vinha reagindo. Eles esclareceram mais alguns pontos:
– As amígdalas são as estruturas cerebrais responsáveis pelas reações de luta e fuga. Tendem a perceber as circunstâncias como perigo ou ameaça, desencadeando reações de estresse e de evitação. Esses mecanismos foram importantes para garantir a preservação da espécie, mas nos dias de hoje interferem no nosso equilíbrio, na capacidade de tomar decisões e de pensar nas metas de longo prazo. Sua função principal foi garantir a sobrevivência e buscar a gratificação imediata.
– Essa característica da amígdala – perceber as situações novas ou diferentes como ameaçadoras – leva o ser humano a considerar, na tomada de decisões, muito mais o que tem a perder com as mudanças, do que os possíveis ganhos advindos dela. A aversão ao fracasso é maior do que o desejo de ganhar e ir adiante. Os estudiosos da tomada de decisões dizem que essa característica leva o ser humano a agir segundo a lei do menor esforço, ou seja, por “inércia”.
“Nossa! Seria isso possível?” – pensou Sofia. “E é possível mudar a aversão à perda?”. Os demais participantes já estavam expressando a mesma curiosidade. A palestra prosseguiu:
– Sim, é possível – os palestrantes responderam seguros e otimistas, sem perceber os questionamentos como ameaças. Existem técnicas e estratégias que auxiliam no equilíbrio entre os sistemas racional e o instintivo. Essas estratégias favorecem com que as amígdalas passem a perceber as situações novas como OPORTUNIDADES, não mais como um risco.
Sofia achou muito legal essa ideia. Muito se fala que pessoas bem sucedidas percebem oportunidades onde os outros veem problemas, e agora ela conseguia entender de que forma é possível fazer isso. Não é simples assim: enxergue as oportunidades e pronto. Agora, ela compreendia que existe um funcionamento inerente a qualquer ser humano, de considerar as perdas maiores do que os ganhos.
– Sim, é isso! – Sofia teve um insight. Em relação ao seu namoro e ao seu curso, ela estava considerando muito mais as perdas de terminar o relacionamento do que os possíveis ganhos. Também não estava considerando as possibilidades de aprendizagem e crescimento se fizesse outro curso, mas as dificuldades que teria de enfrentar – a família, começar tudo novamente…
A palestra foi em frente, estratégias para minimizar a ansiedade (reações das amígdalas) foram ensinadas e Sofia foi embora contente. Gostou de ser formalmente apresentada à sua amígdala, que vinha tendo tanta participação nas suas decisões sem que ela estivesse consciente. Passou a praticar a respiração diafragmática e escrever sobre as vantagens de terminar o namoro e repensar o seu curso. Logo, ela passou a ver mais oportunidades do que ameaças.
Em um dia desses, passando na esquina da Independência com a Ramiro, viu escrito em um poste: “Você existe ou está vivendo?” Sofia sorriu, tranquila, se sentindo cúmplice do autor da frase. “Sim”, respondeu para si – “eu vivo”. Lembrou do seu questionamento que deu início às mudanças em sua vida: “Você é feliz”? Agora poderia responder a essas perguntas, com tranquilidade: “eu vivo e estou feliz”.
Em dois meses, já fez vestibular para outro curso e estava apaixonada (por outro rapaz, é claro). E as amígdalas? Bom, vocês sabem… a paixão e o desejo ativam as amígdalas: o medo de perder o objeto de desejo mexe com elas, a aversão à perda pode interferir nas suas ações e decisões. Mas agora Sofia já sabia disso e não mais se deixava influenciar negativamente por elas. Apenas pensava: “Ah, as amígdalas….”
Sofia seguia instigante. Decidiu passar a perguntar para as pessoas à sua volta: “Você é feliz?”