Saindo da rotina do vestibular

Vicente acordou um pouco atrasado. Ficou mais uns minutinhos na cama, como de costume e ficou “queimado” no horário. Pegou uma banana, chamou um Uber e saiu mais uma vez sem tomar café. Essa tem sido a rotina de Vicente quase todos os dias. Antes de dormir, fica no celular e de manhã acaba batendo aquela preguiça.

Essa é uma situação reconhecidamente prejudicial para uma boa preparação para o vestibular; e ele sabe disso.

Vicente tem feito assim todos os dias – sai atrasado, à noite fica no celular, dorme menos e acaba se amarrando para sair da cama. Ele vem agindo totalmente no sistema automático.

No trajeto para o cursinho, também ficou no celular, checando as redes sociais. Sem sintonia nenhuma consigo, com seus pensamentos e sentimentos, ficou despreparado para a surpresa que a próxima aula lhe reservava. Algo que bagunçaria totalmente a sua rotina. Vicente não contava que a preparação para o vestibular inclui imprevistos na rotina de um vestibulando, de que não é possível controlar alguns acontecimentos.

Ele entrou na aula do Professor Pierre de Química e se atrapalhou todo! Ele realmente não esperava por isso. Na primeira fila, lá estava ela: linda, simpática, concentrada!

– Deus, do céu! E agora? Para que lado eu vou? – pensou, totalmente desconcertado. Júlia estava próxima do lugar em que Vicente costuma sentar. Mas ele não conseguiu se dirigir até lá. Sentou na primeira cadeira que encontrou à sua frente:

– Pronto, é aqui mesmo que eu vou ficar.

O professor logo começou a aula. Vicente não conseguia prestar atenção a nada do que Pierre falava. Para que você entenda, Júlia é a menina que Vicente conheceu nas férias por intermédio de seus amigos. Ela é prima de um amigo seu. Esse amigo não é tão próximo, mas na praia, eles fizeram alguns programas juntos e ele conheceu Júlia. Achou-a linda, maravilhosa, simples. Claro, que ele ficou nervoso todas as vezes em que a encontrou, e obviamente não chegou nela – ele não é nada corajoso para chegar nas meninas. Eles falaram de preparação para o vestibular, assunto que Vicente se considera experiente.

– Sim! Ela tinha comentado que faria vestibular esse ano! – Lembrou Vicente. Diminuindo um pouco o pânico, lembrou de mais detalhes: eles falaram de cursinhos, professores, provas. Vicente simplesmente ficou tentando impressioná-la com a experiência adquirida em um ano de cursinho pré-vestibular. Explicou para ela como era a sua rotina, sugerindo que foi bastante esforçado, claro. Ele não teria dito para ela que ficou um ano inteiro se preparando para o Enem e vestibular sem seriedade. Ela parecia ser estudiosa e comprometida, certamente não iria achar isso legal.

Vamos retornar ao dia de hoje, da aula de Química. O professor falava, falava, os colegas riam e participavam. Mas Vicente ficava somente com seus pensamentos. Estava muito nervoso, inquiet. Realmente essa era uma surpresa para a qual não estava preparado. Ele tinha esquecido de suas conversas sobre preparação para provas e que Júlia viria para o cursinho. Agora, teria de incluir esse elemento novo em sua rotina. Já tinha um mês de aula, e somente agora ele percebeu a sua presença. Provavelmente, ela não estava nessa turma antes, deve ter feito alguma troca de horário.

Vicente começou a viver vários conflitos internos simultâneos. Primeiro, o conflito imediato entre olhar para Júlia e prestar atenção ao professor. Foi uma disputa constante durante a aula, sem vencedores. Em segundo lugar, começou o conflito um pouco mais distante, entre o desejo de ter uma namorada e a obrigação de estudar. Ele sempre ouviu que o melhor é se dedicar somente aos estudos, que em um ano de preparação para o vestibular e Enem os romances podem ser prejudiciais. E assim a sua cabeça foi viajando nesses conflitos… até que Vicente se deu por conta de que tinha mais um conflito muito mais sério e imediato: O QUE FARIA NO FINAL DA AULA?

Vicente estava apavorado: esperava para cumprimentá-la ou deveria sair rapidamente, como se não a tivesse visto? O medo decidiu por ele. Assim que a aula terminou, ele saiu rapidamente para evitar encontrá-la. No caminho para a aula de Biologia, Vicente se sentia exausto, como se os conflitos tivessem esgotado suas forças. Também sentiu sua autoconfiança desaparecer por completo. Já não estava muito bem nos últimos dias, mas ter reagido com medo diante de Júlia, certamente, só piorou a confiança em si. Vicente chegou na aula de Biologia pensando como iria administrar a presença de Júlia em sua rotina de vestibulando. Não estava parecendo que essa seria uma tarefa fácil.