Cabeça de Vestibulando

Vicente foi para casa muito cansado. Não sabia as razões, mas parecia que tinha passado o dia todo estudando, apesar de ter tido somente duas aulas – Química e Biologia -, suas preferidas. Almoçou e precisou tirar um cochilo. Queria esquecer que teria esse desafio pela frente: encontrar a Júlia em algumas aulas, e se deparar com sua falta de coragem para chegar nela. Gostaria de poder evitar, a todo custo, as tantas vozes dentro da sua cabeça: por um lado, chamavam-no para o desejo de ficar com Júlia e de conhecer ideias novas sobre a força de vontade. Por outro lado, as vozes lhe diziam que novos conhecimentos e se apaixonar podem ser perigosos para um vestibulando, especialmente de Medicina.

Depois desse intenso diálogo interno, Vicente começou a desconfiar que além de preguiçoso, parecia ser covarde. Sim, ele não tinha esquecido a conversa sobre o livro da preguiça e agora também teria de enfrentar o medo das situações novas que surgiram.

– Tenha paciência! Era para ser um segundo ano de cursinho bem tranquilo, estudar um pouco mais do que no ano anterior e passar – simples assim. Por que deveria ser tudo tão complicado? O que acontece com a minha cabeça, que parece que todo dia inventa um problema novo?

Para que você entenda o que se passa na cabeça do nosso vestibulando, vamos explicar:

O ser humano, por questões de sobrevivência, procura evitar desafios e ameaças de qualquer natureza, com o objetivo de economizar energias para um imprevisto. Essa é uma reação totalmente instintiva, sem autoconsciência, liderada por estruturas do sistema límbico (especialmente as amígdalas, responsáveis pelas reações de luta ou fuga).

Aqui, no caso do Vicente, foram identificadas duas ameaças em potencial que ativaram as suas amígdalas: Júlia e os novos conhecimentos sobre força de vontade. Sim, pode parecer estranho para você, mas nós temos medo de ideias e pessoas novas – elas podem ser percebidas como ameaçadoras à nossa zona de conforto.

Essa resistência pode ser maior ou menor nas pessoas, dependendo de sua genética, de seu contexto, e principalmente, do seu autoconhecimento. Sem se conhecer, as pessoas simplesmente reagem diante das situações novas, evitando-as ou rejeitando-as. Através do autoconhecimento, as pessoas podem perceber o medo natural diante das novidades e aproveitá-las para se superar. Você sabe de que maneira vem reagindo às situações novas? Talvez você tenha maior autoconsciência do que o nosso vestibulando. Ele não sabia de nada que estava acontecendo na sua cabeça. Pela primeira vez, estava ficando autoconsciente dos conflitos entre medo e desejo. Parece que em 18 anos, nunca tinha vivenciado isso antes. Vicente não sabia, mas estava diante de um dos maiores desafios da força de vontade: o conflito entre o querer (ir em frente) e o resistir (economizar energias e se manter na lei do menor esforço).

Isso significa que, enquanto uma parte de seu cérebro tenta evitar o conflito e economizar energias para um imprevisto (as amígdalas), a outra parte (chamada córtex pré-frontal), compreende que o conflito leva à evolução e usa o autocontrole da vontade para realizar ações que levam o indivíduo a resultados significativos. Por exemplo: ao se deparar com ideias novas sobre a preparação para o vestibular, uma parte da cabeça de Vicente tenta convencê-lo de que elas são desnecessárias, para economizar energias e evitar mudanças. É mais cômodo e seguro repetir estratégias, mesmo que elas não tenham trazido resultados satisfatórios. É assim que o meu cérebro, o seu, o de Vicente e de todos funcionam – se existe um caminho mais fácil, que exige menor esforço, ele tentará por aí. E irá resistir à necessidade de mudança.

Já os conflitos relacionados à Júlia, são obviamente mais intensos. Você sabe disso, desnecessário dizer. Ideias novas podem ser esquecidas ou negligenciadas, mas as paixões… são bem mais difíceis de esquecer.

Quando você se sente atraído por alguém, como na situação de Vicente por Júlia, o desejo de ter/estar com aquela pessoa pode ser intenso e a necessidade de realizar esse desejo, de ter a gratificação imediata (impulsionada pelos hormônios e o senso de preservação da espécie), pode aumentar a sua ansiedade. O cérebro de Vicente compreende que não ter essa gratificação imediata (ficar com Júlia) pode ser torturante e ameaçador ao seu equilíbrio e à sua sobrevivência. (Infelizmente, hoje os jovens sentem essa ansiedade se ficam sem o celular, não necessariamente por algum crush).

Desejo e conflito são simultâneos, e impõem dois caminhos: tentar realizá-lo para acabar com o desconforto ou evitá-lo. Se Vicente escolher ir adiante, terá de enfrentar o medo (de outros machos, a rejeição). Se ele escolher reprimir o seu desejo, lhe restará a frustração de ficar sem a sua recompensa. De qualquer maneira, terá um conflito.

Podemos traduzir esse conflito vivenciado por Vicente e muitos vestibulandos de outra forma: devo economizar energia e resistir ou movimentar-me para alcançar uma meta e recompensas maiores? Ele precisaria se sentir seguro de que vale a pena enveredar-se por novos caminhos.

O ser humano precisa sentir que é seguro desacomodar, ou ele vai fazer de tudo para ficar em sua zona de conforto, economizando energia. Vicente não sabia dessa teoria, mas sentia em seu corpo o desconforto do conflito entre o medo e o desejo de fazer diferente. E seguia pensando que era preguiçoso e medroso…

Ao se deitar, naquela noite, sentia que já não era mais o mesmo Vicente. O que será que poderia estar mudando em sua cabeça de vestibulando?

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