“Eles têm de fazer tudo para passar. Têm de sacrificar cinema, namoro, bate-papo. Pálidos, nervosos, agitados, sobre a mesa de estudo, em casa ou na sala de aula do cursinho pré-vestibular, eles aprendem a decorar fórmulas, resolver quebra-cabeças, decifrar charadas.”
Esse bem poderia ser o parágrafo de uma reportagem desse ano. No entanto, é de Janeiro de 1969, da extinta revista Realidade. Na matéria, a ênfase foi dada para a relação do número de candidatos por vaga: para o curso de Economia, por exemplo, a densidade era de 5 candidatos para cada vaga. Na época, essa concorrência era considerada uma sentença: “vamos matar 120 mil esperanças”; referindo-se ao alto índice de exclusão da vida universitária.
Infelizmente, apesar do expressivo aumento de novas faculdades e cursos por todo o território nacional, essa situação não está melhor nos dias de hoje. O problema cresceu com repercussões na saúde mental e física dos jovens brasileiros e pode ser traduzido em números segundo reportagem de Yuri Ferreira, publicada pelo site do UOL na última semana:
– De 275 alunos analisados, 58% sofriam de ansiedade e 28% referia sintomas de depressão, segundo uma pesquisa da Universidade de Alfenas (MG) de 2013.
– Um levantamento da UERJ do ano de 2012, aponta os medicamentos mais utilizados pelos vestibulandos sem receita médica: ritalina, venvanse, concerta (13%), inibidores de apetite (10%) e remédios para ansiedade (5%).
– Segundo o Instituto de Medicina da UERJ, o consumo de ritalina aumentou 775% em dez anos. Vale lembrar que esse aumento não se deu somente pela automedicação e o tráfico de ritalina na internet, mas também com o aval dos profissionais e da família, muitas vezes sem informação suficiente para tomar uma decisão melhor.
A reportagem traz, ainda, o depoimento chocante de uma vestibulanda: “Você encara a concorrência frente a frente, e eu não acho isso saudável. Acho que o meu sóbrio não aguentaria isso.”
O relato dessa jovem é preocupante. O que faltou na educação desses jovens para que eles possam enfrentar essa fase com lucidez e sobriedade?
Allen Frances, um dos propositores do diagnóstico de TDAH, hoje é um dos maiores críticos ao uso excessivo de ritalina e outros medicamentos como estimulantes para os jovens e à banalização do diagnóstico:
“Ao criar a necessidade das pílulas, tira-se da pessoa o poder de acreditar na própria capacidade de superação, ignorando que a resiliência sempre foi uma das grandes virtudes da humanidade. À medida que somos levados mais e mais em direção à medicalização da normalidade, vamos perdendo contato com nossas capacidades de autocura e esquecemos que a maioria dos problemas não são doenças e que apenas raramente a melhor solução para eles está nas pílulas”.
Vale lembrar que pesquisas recentes indicam que a ritalina e demais medicamentos não melhoram o desempenho das pessoas sem o transtorno, como a maioria dos jovens quer acreditar. O problema consiste em querer uma fórmula mágica, buscar resultados pela lei do menor esforço.
Esse é um dos primeiros aspectos, e talvez o mais importante que precisa ser debatido nessa problemática: não investir na educação para o autocontrole e a capacidade de enfrentar desafios, ou seja, ajudar as crianças e os jovens para desenvolverem as suas competências para enfrentar o vestibular e a vida.
Na Europa as crianças são educadas para ter autocontrole, e parece ser essa a relação para um menor índice do diagnóstico de TDAH em comparação com o Brasil e EUA; assim como menor necessidade de medicação. O livro Crianças Francesas não Fazem Manha, de Pamela Druckermann, aborda o tema do autocontrole das crianças europeias: a criança educada para resistir aos impulsos e adiar a gratificação para fazer o que precisa ser feito, será um adulto mais focado e tranquilo. Dificilmente, precisará usar medicação para fazer provas, estará preparado para os desafios da vida.
Esse é um tema que merece ser discutido de maneira mais aprofundada em outro momento. No artigo de hoje, vamos focar nos aspectos que podem minimizar a tendência de medicar jovens que estão enfrentando o desafio do vestibular a partir de estratégias que aumentem o autoconhecimento e o emprego das competências pessoais. Acredito que o papel de todo pai e educador seja ajudar na formação de cidadão, que irá contribuir com a sociedade, muito além do seu desempenho cognitivo em uma prova, e isso inclui como ele enfrenta o desafio, muito mais do que o resultado que ele alcança.
Durante 21 anos trabalhando com vestibulandos na Máxima Performance Consultoria, tem sido possível auxiliá-los a enfrentar o vestibular como uma oportunidade de amadurecimento para enfrentar desafios maiores da vida pessoal e profissional. Não deve, nem precisa ser um período de estresse, sofrimento e diminuição da lucidez. Com a atenção devida dos pais, professores, psicólogos e médicos, é possível ajudar esses jovens a superar as provas sem ritalina, estimulantes ou outras drogas e auxiliar na formação de melhores profissionais do futuro. A preocupação de todos precisa ser ajudar o estudante a se tornar um profissional que tem autoconhecimento, sabe aplicar suas competências, é empreendedor e enfrenta desafios com equilíbrio.
Quais são as estratégias sugeridas, que podem minimizar ou até mesmo eliminar os fatores estressores do cursinho, que família e professores podem estimular?
1. Desconectar das redes sociais enquanto estuda: usar aplicativos que bloqueiam as redes por tempo determinado.
2. Fazer exercícios físicos.
3. Dormir em horários regulares, segundo as necessidades individuais.
4. Alimentação adequada.
5. Recompensas programadas: são necessárias para manter o fôlego e evitar recorrer a recompensas infrutíferas (ficar no celular ou assistir a vários episódios do seriado favorito).
6. Conversar com o jovem sobre a sua escolha profissional e o seu projeto de vida: qual é o sentido de desenvolver competências e se superar? Quais são os seus objetivos? Como ele se imagina enfrentando os desafios acadêmicos e profissionais?
7. Treino de bio e neurofeedback: são ferramentas que se utilizam de softwares para monitorar e gerenciar o padrão dos sinais fisiológicos, com o objetivo de promover a autorregulação através de treino: corpo e cérebro aprendem novos padrões de respostas diante dos desafios que estão sendo enfrentados. A utilização de sensores e/ou eletrodos permite que a pessoa acompanhe o seu desempenho em uma tela e isso promove a auto-educação, que se tornará automática.
Fontes consultadas:
https://tab.uol.com.br/ritalina-vestibular#miligramas-por-vaga
http://provepsico.com.br/o-que-significam-biofeedback-e-neurofeedback
Druckerman, Pamela. Crianças Francesas não fazem manha: os segredos parisienses para educar os filhos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.
Coutinho, Henrique. Vamos matar 120 mil esperanças; Revista Realidade: Ano III, N. 34, Janeiro de 1969: Editora Abril, São Paulo, SP.