Vicente acordou suando. Faltou luz e o ar-condicionado parou de funcionar. No abafado e úmido calor de Porto Alegre, era difícil dormir bem sem o Split a mil. Para piorar, tinha de lidar com seus pensamentos:
– Estamos a uma semana da UFRGS. Há um ano, eu imaginava estar me sentindo mais preparado, mais seguro. Está sendo bem diferente do que planejei.
Vicente estava terminando seu primeiro ano de cursinho. Esperava ter alcançado a sua aprovação na PUCRS, para se sentir mais confiante. Mas não rolou. Ainda não foi dessa vez. No Enem, não teve nenhuma evolução no número de acertos em relação ao ano anterior. Depois desses resultados, continuou tentando estudar para a UFRGS, mas se sentia bastante desmotivado. Tentou disfarçar para os seus pais, mas eles estavam percebendo sua dificuldade em se manter firme e tentar se superar.
No meio daquela noite quente, sem condições de dormir, Vicente fez o que qualquer um faria: checar o celular. Olhou Facebook, Instagram, WhatsApp, todas as redes sociais possíveis. Nada de interessante, apenas fotos das pessoas comemorando a entrada do ano. Seguiu seu roteiro normal pelas redes, até que, finalmente, fez a última coisa que costuma fazer: olhar as notícias. Foi daí mesmo que perdeu o sono. A manchete da BBC Brasil chamou-lhe imediatamente a atenção: 9 características de países que são superpotências educacionais
Vicente gosta de ler sobre esses temas, normalmente caem em redações. O primeiro tópico transmitia a ideia de que os países mais bem posicionados são aqueles em que as pessoas obedecem às ordens, em que a cultura vigente é conformista; e na política, preferencialmente com um partido, sem oposição. A reportagem também enfatizou que existem exceções a essa regra, como a Finlândia, que aparece em quinto lugar e é considerada bastante liberal.
Vicente fez uma analogia com o desempenho no Enem e vestibular: ficou pensativo em relação à sua estratégia na preparação para as provas nesse ano. Ele tentou, sim, ser conformista. Procurou seguir as regras e dicas dos professores. Fez tudo bem certinho, sem questionar – não faltou aula, fez todos os simulados, cumpriu horários, evitou festas. O que poderia ter dado errado? Pensou um pouco, tentou ler um pouco mais, mas não conseguiu. As ruminações mentais tomaram conta de sua mente.
A luz voltou, o Split funcionou, mas o sono ainda não. Muitas dúvidas sobre a sua preparação vinham atormentando suas noites, e agora o calor, essas notícias… Vicente tentou dormir, procurando se convencer:
– É bobagem querer comparar um país com a minha situação em particular… Preciso parar de pensar tanto…
Adormeceu depois disso. Estava exausto de tanto pensar, buscar explicações para sua não aprovação, e ainda ter de estudar. Pela manhã, quando acordou, tentou esquecer os questionamentos noturnos. Certamente, ficar pensando nisso agora, não seria nada produtivo. A melhor estratégia seria, sim, pensar que teve alguns avanços nos simulados, que aumentou muitas posições na PUC e que talvez o TRI e a redação do Enem possam ser melhores do que no ano passado.
– Sim, é isso. Vou pensar nos avanços que alcancei. Revisar as decorebas e reforçar os conteúdos que eu tenho maior domínio. – decidiu Vicente.